PIVÔ PESQUISA | Proposta Félix Blume
Proposta inicial, Março 2022
Quando comecei a desenvolver meus primeiros projetos, por ter formação em engenharia de áudio, tive a certeza de que seria o som o eixo central da minha pesquisa. No entanto, passados alguns anos, hoje já entendo que é a escuta que sempre esteve presente no meu trabalho.
Gosto de conhecer os lugares junto a seus habitantes e através dos sons que os circundam ou que são provocados por eles. Me interessa refletir sobre como esses sons se relacionam e se inserem em seu entorno ou cotidiano. Busco o diálogo que se cria entre o humano e os demais seres que compartilham o mesmo território, usando a escuta para destacar o que pode passar desapercebido.
Tive a oportunidade de viajar várias vezes ao Haiti (principalmente a Port-au-Prince) para realizar diferente projetos, como as paisagens sonoras da cidade (Jouk Li Jou, 2014, em colaboração com Caroline Berliner), o álbum de compilação de bandas funerárias (Death in Haiti, 2016, vinil Label Discrepant), projetos em colaboração com pessoas com cegueira ou com baixa visão (Cidades Invisíveis, 2017 | Kán Ak Son, 2018) e também ações no espaço público (Apocalypse Copie, 2018).
A insegurança e a pobreza se agravam na ilha e há quase 4 anos que não volto ao país. Em 2019, no entanto, pude reencontrar em Santiago do Chile, o Mestre Midouin, um dos músicos das marchas fúnebres, que imigrou para fugir das dificuldades de seu país.
Assim como ele, milhares de haitianos partiram em busca de uma vida melhor em outros lugares, levando consigo uma pequena parte da cultura de sua ilha. O terremoto de 2010 gerou o início de um êxodo maciço para a América do Sul, principalmente Chile e Brasil, onde havia cerca de 150 mil haitianos. Nos últimos anos, enquanto muitos foram buscar outros sonhos no Norte e nos Estados Unidos, outros permanecem na cidade de São Paulo, com ou sem residência legal.
O projeto de pesquisa que pretendo desenvolver durante minha residência no Pivô se baseia na escuta da comunidade haitiana que vive em São Paulo. Tentarei conhecê-los, usando meus microfones como pretexto para os encontros, tornando-os receptores de uma realidade que me é desconhecida, na tentativa de captar algo do que os torna haitianos em uma terra que não é deles. Não tenho a pretensão de saber, antes dos encontros, como é a vida cotidiana deles, nem como sua cultura continua a ressoar neles e com eles. Mas tenho algumas pistas do que pode estar presente: sua religião (muitas vezes relacionada às igrejas batistas), suas crenças e práticas de vodu (que tem pontos em comum com o candomblé ou com a umbanda), sua língua crioula (que falo pouco mas espero poder praticar durante a minha estadia) ou sua música (as fanfarras, a “compa”, a “rara” e outros ritmos típicos da ilha).
Deixarei-me levar pela escuta para captar algo de suas realidades, tentar compreendê-las e destacar suas presenças na cidade. Embora o programa do Pivô seja voltado para a pesquisa, ela necessariamente passará por algumas etapas específicas, como uma peça sonora, um programa de rádio, alguns vídeos ou uma série de podcasts. Isso será definido ao longo da residência, como parte do processo.
Antes da minha chegada vou procurar alguns contatos e possíveis pistas para conhecer a comunidade haitiana em São Paulo. Procuro tanto contatos diretos, como lugares que costumam ser frequentados por haitianos. É provável que, além dos microfones, precise de um primeiro pretexto para o encontro, como por exemplo, a ideia de um programa de rádio.
Reforço que minha proposta não quer se fechar em preconceitos, considero importante garantir a abertura para possíveis mudanças, encontros, fracassos e surpresas.
Estou aberto para interlocução. Sugestões e ideias são muito bem-vindas!
Muito obrigado
Félix